Grandes Olhos

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Fui assistir a Grandes Olhos com todos os pés atrás. Faz tempo que o Tim Burton não faz algo bom. Filmes de biografias e histórias reais tendem a ser melodramáticos e mais focados em “retratar uma situação incrível” que ser cinema de verdade. Quem diria que uma cinebiografia seria justamente onde o bom e velho Burton voltaria a se apresentar?

Margaret Keane (Adams) era uma artista recém-divorciada que precisava sustentar a filha. Após mudar para São Franscisco, ela conhece Walter Keane (Waltz), um charmoso, carinhoso e elegante artista que estudou arte em Paris. Os dois se casam e passam a assinar os quadros com o sobrenome Keane (que Margaret adotou no casamento). Quando Walter vê que as obras de Margaret fazem mais sucesso que as dele, passa a vendê-las como se ele fosse o autor. Em meio à exploração de Walter sobre Margaret, o filme discute os valores da arte, o papel da mulher nos diversos meios e acaba por refletir diversos momentos da carreira e vida de Tim Burton.

A dupla de roteiristas Scott Alexander e Larry Karaszewski são especialistas em filmes de biografia. Escreveram juntos Ed Wood, O Povo Contra Larry Flynt e O Mundo de Andy. Grandes Olhos segue o estilo dos roteiros anteriores. Estrutura linear bem desenvolvida com destaque para cenas dramáticas bem escritas e brincadeiras rápidas acerca das polêmicas e reflexões propostas. O único grande problema do roteiro é o terceiro ato, que transforma Walter em um grande vilão trapalhão. O confronto final dos dois personagens não parece um problema grande a ser superado porque o vilão chega a dar pena de tão patético.

graceful-trailer-for-tim-burtons-big-eyesOs Keanes. Enganação, feminismo e arte moderna.

Muita gente comenta que Grandes Olhos é um desvio do estilo padrão do Tim Burton para algo um pouco diferente. O problema é que as pessoas acham que o estilo do diretor se reduz à direção de arte angulosa, colorida, soturna e fotografada com muitas sombras. O estilo de um diretor, entretanto, vai além disso. Burton vem de uma escola de animação com referências a filmes de horror derivados da década de 1950, onde o medo da radiação era dominante. A mistura resultou em um diretor que brinca muito com estética, mas que escolhe cortes e ângulos originais e não se importa com “realismo”, mas com linguagem. Daí pode-se notar o toque de Burton em Grandes Olhos.

Em certo ponto do filme, Walter fica ensandecido com uma crítica negativa e ataca uma pessoa com um garfo. A forma como os movimentos são construídos não é nem um pouco verossimilhante. É Burton brincando com estilo de cinema, mesmo sem sua estética comum. Ainda assim, a direção de arte e a fotografia parecem mais coloridas e vibrantes que em filmes normais. O diretor usa manipulação de imagem em pós-produção para fazer com que os azuis, verdes e vermelhos sejam mais fortes. Isso é usado para representar as cores dos anos 1950, 1960 e 1970, que também refletem a jornada de Margaret. Quando ela está em momentos felizes, suas roupas são coloridas. Quando está intimidada por Walter, a década muda e os tons ficam mais soturnos.

Margaret era uma artista que não tinha interesse em viver da arte, apenas a faz porque gosta. Walter vende pinturas de paisagens bonitas, mas não consegue vendê-las porque o modernismo é a moda. Burton e os roteiristas aproveitam para discutir os valores de estilos. Principalmente porque o estilo surrealista de Margaret é quase uma afronta ao modernismo. Ao longo da produção aparece um crítico de arte que sugere que as pinturas não são arte. De certa forma, todos estes temas refletem muito a carreira de Burton. O diretor usa estilos antigos que não são completamente compreendidos pelo público atual, mas tem sua expressão pessoal no meio.

cdn.indiewire.comAdams com a verdadeira Margaret.

A Amy Adams mereceu o Globo de Ouro pelo filme. É impressionante a capacidade da atriz de sumir dentro dos personagens. Não é, nem de longe, a melhor interpretação dela, mas isso se dá por conta da baixa expressividade da personagem e não pelo talento dela. Christoph Waltz é uma potencia. Ele é simpático e charmoso como o diabo. O motivo pelo qual a eventual maldade é tão chocante. Grande interpretação, mas Waltz poderia pegar alguns papéis diferentes além do vilão carismático. Daqui a pouco começa a cansar. E os problemas do roteiro no final transformam a interpretação do ator em uma bagunça inacreditável.

Grandes Olhos é a prova de que Tim Burton só precisa de um bom roteiro para fazer um bom filme. Talvez o filme mais visualmente diferente dele, mas também um dos que melhor usa seu estilo. Uma pequena pérola esquecida no meio da temporada de premiações.

 

GERÔNIMOOOOOOOOO…

Sobre Vina

Publicitário frustrado, editor, cinegrafista, assistente e sonhador. Cinema é algo que não se entende completamente. Sempre se estuda.
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